26 de jul. de 2008

sobre o futuro parte 2

Um corredor branco, o ambiente tem um cheiro forte de limpeza e álcool. Todos os funcionários alinhados em fila única. Marcus tem um daqueles tiques nervosos de morder o lábio inferior constantemente. Ele usa o cabelo penteado para trás com muito gel. Isso mais lhe dá um ar apatetado do que refinado. A maioria dos funcionários adotam o estilo liso, ou seja, a maioria dos funcionários tem seus cabelos raspados o que lhe dão um ar limpo e ao mesmo tempo de unidade. Embora a sociedade e a ciência tenham atingido a sua Era de ouro, como estudiosos costumavam a falar, Marcus sentia-se doente mesmo estando mais saudável que um índio recém nascido.

Antonioni tinha um ar rebelde. Ele orgulhava-se de ter nascido fora da área estadual de fiscalização geneticista e sanitária. Ou seja, Antonioni era filho de puristas. A sociedade nunca deixou de ser democrática, embora, os avanços tecnológicos e o mundo como todos conheciam por décadas tenham sido feitos unicamente por interesses capitalistas e por políticos fascistas desumanos e autoritários.
Antonioni; esse nome porque seus pais, membros das partes puritanas (raras nessa Era) quiseram homenagea-lo com um nome de artista. Embora a arte não existisse mais e fosse extremamente desencorajada, ou melhor, proibida. O ser humano havia evoluído pensando objetivamente e racionalmente. Retrocessos não seriam permitidos. A única manifestação de arte existente na Nova Era, o piano. Sim, o piano mantinha os dois hemisférios do cérebro em pleno desenvolvimento, fora as possibilidades matemáticas e coordenativas. Mas, todos tocam piano na Nova Era. Alguns inclusive tocam com mais naturalidade do que defecam.

Antonioni e Marcus trabalham na mesma agência provedora da Área 532, que nada mais é que um laboratório que manufatura humanos para compra e venda. As cidades grandes são divididas em áreas de produção. Não existe sequer um quadrante não produtivo em nenhuma cidade. A função de cada área foi determinada no primeiro mapeamento crítico matemático, obviamente, feito por um computador. Foi se decidido então, que uma cidade produziria o máximo de cada cidadão e espaço (espaço territorial muito importante na Nova Era). A idéia toda é muito simples para falar a verdade. Cada quadrante tem uma função vital para a Grande Área e por fim para o estado. Cada Área é completamente abastecida por energia atômica e eólica. Cada quadrante tem seu grande laboratório. Cada grande laboratório abastece toda a necessidade farmacológica e genética de seus funcionários. Cada funcionário é manufaturado para durar perfeitamente durante 100 anos, cada funcionário tem o dever de servir a Grande Área com seus serviços por exatos 50 anos. Sendo que 20 anos obrigatórios de treinamentos estruturais, psicológicos. lingüísticos, lógicos e constitutivos. Todo o cidadão nasce funcionário. Seu retiramento das Grande Áreas se dá ao fim do ciclo de funcionamento perfeito do corpo manufaturado. Neste momento ele deixa de ser cidadão.

Mas nada disso importa na verdade, eis a história:

Marcus morde o lábio inferior. Antonioni entra logo atrás de Marcus e lhe dá uns tapas nos ombros e desmancha o cabelo impecavelmente armado. Antonioni dá uma risada e tira um cigarro dos bolsos brancos.

- Mas... por quê fazes isto?! – enerva-se Marcus arrumando afobadamente o cabelo.
- Pela diversão e fala comigo que nem um ser humano pelo amor dos céus!
- Eu falo como um ser humano contigo, você que não se porta como um. Que é isso? Voltou a fumar agora? – tirando o cigarro da boca de Antonioni e jogando no chão.
- Ei! Essas coisas custam muitos créditos meu amigo enervado!

Uma mulher vestida de amarelo passa com uma máquina (semelhante um aspirador de pó em nossos ultrapassados dias). Antonioni agacha-se rapidamente e pega o cigarro antes da mulher pegar com o "dispositivo".

- Que vais fazer com isso? – diz a mulher
- Que acha coeficiente baixo? – diz ele botando o cigarro na boca

Todos os funcionários emitem um som de pavor. A mulher sai enojada.

- Que tá fazendo?! – espanta-se Marcus
- Ah, pára! Até parece que tudo aqui não é esterilizado!
- Que tá acontecendo contigo?
- Eu tô de saco cheio, cara! De saco cheio!
- Eu não entendi o que quis dizer. Se tens problemas vai no centro, renova suas células, tudo se resolve.
- É uma metáfora ô coeficiente baixo! Embora seja bom o seu saco estar cheio também.
- Como assim?
- Hoje é sua vez, eu estou no setor de vendas.
- Como consegue estar no setor de vendas com essa atitude e eu continuo pela segunda semana consecutiva no reabastecimento?!
- Eu não sou o rebelde aqui ô cabeludo! – diz arruinando o penteado de Marcus novamente.
- Quer parar?! – diz Marcus arrumando freneticamente os cabelos.

Suzanne, analista fisiológica, passa pela fila e pára na frente de Marcus que está completamente descabelado. Marcus pára reto e morde o lábio inferior. Suzanne ri. Ela passa para o próximo da fila que é Antonioni, ele a olha e lança um meio sorriso com o cigarro apagado no canto da boca. Suzanne joga o cigarro no chão.

- Fostes remanejado. Reabastecimento.

Suzanne passa para o próximo da fila. Marcus olha para trás e ri. Antonioni sorri e empurra disfarçadamente Marcus. Mulher com o dispositivo de limpeza volta e seu dispositivo suga o cigarro.

- Não! – grita Antonioni, voltando logo para a posição de sentido.

Suzanne olha para Antonioni e volta para analisar a fila.

- Essa porcaria custa caro. Aposto que essa aleijada vai vender por 10 créditos!
- O que queres com cigarro? Não renovastes recentemente as células do pulmão.
- Eu renovei tudo. Inclusive as células do coração.
- De novo?
- Tá bom, fígado.
- Fígado! De novo?!!
- Mais saudável que um bebê.
- Desse jeito vai deixar de ser cidadão em 30 anos.
- Ficou sabendo do Grande Ford?!
- Ford?!
- Impressionante que você não saiba nada sobre a literatura.
- Que tem?
- Os ministros das Áreas 419 e 312, renovaram completamente suas células.
- Como assim?!
- Dizem que passam dos 200 anos.
- Duzentos anos?!
- É o que dizem.
- Impossível.
- Nada é impossível. Duzentos anos.
- Malditos políticos.

Uma luz vermelha acende. Um sinal toca. Portas automáticas abrem-se no corredor branco. Os funcionários entram cada um em uma porta. Antonioni aperta a mão de Marcus.

- Melhor agora que depois.

Marcus ri.

Marcus atravessa a porta que se fecha imediatamente. Suzanne está sentada num estofado branco e estremamente reluzente. O lugar como em qualquer outro lugar de qualquer outro do mundo civilizado têm cheiro forte de limpeza e álcool. Marcus lembrava sempre de uma brincadeira em que Antonioni dizia que o cheiro de limpeza e álcool era para disfarçar o odor dos mortos que trabalhavam naqueles lugares. O sonho de Antonioni era de renovação total de suas células, assim ele teria mais tempo de funcionamento e poderia cumprir sua “pena” na Grande Área e viver 100 anos em exílio junto dos viventes das terras de ninguém. Para tal, Antonioni utilizava de seus benefícios obrigatórios que a Área lhe dava, o direito de ser completamente saudável. Assim, sistematicamente, Antonioni acabava com seus órgãos um por um e os renovava completamente. Antonioni tinha mais de 50 anos, mas funcionalmente era um manufaturado de 20 anos. Marcus apenas ria da pretensão insana de Antonioni. Mas em segredo a desejava para si. Não essa pretensão, mas, a insanidade. Infelizmente os geneticistas haviam lhe privado desse prazer. Antonioni também não era insano, apenas fingia ser e todos sabiam disso. Mas, mesmo sabendo que era uma farsa, Marcus gostaria de acreditar tanto numa farsa quanto Antonioni. Agora ele se via numa posição tão primata. Desejava profundamente aquela manufaturada. Os geneticistas não estavam de brincadeira quando fizeram aquela mulher. Era perfeita e ela por sua vez tinha enojado da perfeição. Suzanne era legitimamente insana, era uma viciada em sexo. Muitas manufaturadas são viciadas em sexo, a maioria delas são. A sociedade funcionava melhor assim era o que diziam os estudos. Mas poucas, eram feitas com tanto capricho quanto Suzanne. Agora Marcus pensava “é finalmente minha vez” e ao mesmo tempo pensava na teoria de Antonioni sobre mortos e renovações de células. Pensava em quantos anos realmente tinha Suzanne de funcionamento.

- Tome. – diz Suzanne lhe empurrando uma pílula.

Marcus engole o remédio. Suzanne lhe entrega um copo de alumínio.

Marcus espera que ela saia da sala. Ela fica olhando para as calças de Marcus.

- Agora?
- Claro, tenho que avaliar as condições. Felizmente é o meu trabalho.

O pênis de Marcus endurece. Afinal era para isso que servia a pílula, em instantes seu membro estaria tão cheio de sangue que bombearia durante intermináveis minutos todo esperma que teria produzido no tempo de recesso de intercurso.

Marcus tirou afobadamente o membro das calças e o repousou no recipiente.

- Por quê você tem cabelo?
- Ahm...hummmm..

Era um remédio feito unicamente para o manufaturado atingir o orgasmo. Masculino ou feminino, tanto faz. Ele agia de uma forma semelhante ao LSD, causava aumento dos batimentos cardíacos, o usuário tinha aumento da sua libido e perda temporária de alguns sentidos. Passavam-se os minutos dentro de uma sala apenas ejaculando, o resto das 6 horas, normalmente passava-se desmaiado.
Marcus ajoelha-se. Sua percepção está alterada. Suzanne sabe disso. Suzanne tira a roupa e toma uma pílula. Nas mulheres o efeito é prolongado e as perda dos sentidos é raro. Ela se masturba. Marcus quer tocá-la, mas apenas segura seu membro junto ao copo de alumínio. Marcus é uma pedra. Uma pedra que está ejaculando fazem dois minutos e não percebe. Seu escroto está contraído em breve estará ardendo como se mamonas estivessem no lugar de seus testículos. Suzanne tira o recipiente de perto de Marcus e o lacra.

- É o suficiente! – geme ela deitando Marcus e subindo em seu membro endurecido.

Ele balbucia, tosse afogado em sua própria saliva. Suzanne é louca. Marcus pensa. Suzanne é incrível, por fim sentencia. O teto e Suzanne não param de girar, o branco das paredes é tão reluzente como o sol deveria ser, os mamilos castanhos de Suzanne são tão pontudos quanto dedos em riste. A vida naquele momento é boa, admira-se Marcus.

Marcus acorda seis horas depois. Sozinho no quarto. Marcus coloca as calças.

Marcus caminha-se para onde todos os encarregados dos abastecimentos vão após serviço tão exaustivo. O bar.

1 de jul. de 2008

LIVROS

O primeiro livro que li por livre e espontânea vontade foi “Os mutantes” de Pierre Weil. Graças ao sistema acadêmico, meu pavor por livros teve seu extermínio justamente quando saí do colégio. Obras de fuderosos brasileiros me causam irritação e preconceito. Sim, eu confesso tenho preconceito contra Machado de Assis, Carlos Drummond e seus amigos da literatura brasileira. Quando forçaram a ler “O Alienista” foi como comer brócolis, foda-se os valores nutritivos de um vegetal como o brócolis. Eu não ofereceria um ramo de brócolis para a moreninha, ela olharia com ojeriza e descrença, poderia daí pensar que eu não aprovo sua nutrição e logo, portanto, pensar que eu estaria a chamando de gorda. Uma flor é uma flor, uma pinóia! Pinóia..de onde saiu essa palavra?. Enfim, voltando ao “brócoli” ou melhor aos valores de um livro e como eles nos são empurrados. Machado de Assis, pois é...é chato. Sinto oferecer isso ao universo (nada de novo) mas é CHATO. Eu com 12 anos, não quero ler um livro, eu quero jogar bola, quero dar um beijão na Lú, quero beber cerveja na saída da aula e me achar fodão por isso.

Agora, não que o livro desse tal de Pierre Weil tenha sido grande coisa, mas, foi diferente e isso me bastava. Um universo, uma ideologia e política diferente de como expressar as idéias. Nada era rebuscado, pomposo e enfadonho. Era como ver um filme iraniano. Sim, filme iraniano normalmente é chato. Mas quando se vê um filme iraniano pela primeira vez, você pode muito bem viver o resto da vida sem ver um novamente. Eles trazem uma linguagem, um universo diferente e pronto! Resultado: nunca mais quis ler algo desse espiritualista e Filhos do paraíso já bastam para mim.

Comprar livros é um hobby, para mim. Não uma obrigação. Tem gente que se obriga comprar um livro “Ai meu deus, não li nenhum livro essa semana! EU TENHO QUE COMPRAR UM LIVRO!”. Eu penso com calma em relação a livros. Chego numa livraria por obras do acaso. Meu segundo livro (que comprei), foi a Desobediência Civil, de Henry Thoreau. Na época não sabia por quê diabos, estava comprando um livro do Thoreau (agora acredito que foi por causa de Sociedade dos poetas mortos). Eu simplesmente, abri o livro e li a página inicial, o meio, o final. Comprei. Eu analiso rapidamente o escritor, vejo se a mentira que ele diz me é convincente. Foi assim, aliás, que descobri o Bukowski. Tive minhas porções de Eurekas óbvias para leitores famintos. Mas ninguém nunca me falou deles, eu não os procurei. Simplesmente os achei. Interessante que Weil falava em sincronicidades em seu livro e eu ficava pensando que tudo no universo realmente era regido por elas. Algo me levava a outra coisa e tudo começa a fazer sentido para mim. Leituras obrigatórias me enchiam o saco, mas, ler David Coimbra, Bokowski e o Gibran (apresentado pelo grande amigo Tiago) me causavam preenchimento. Sim, eu era carente, não correspondido pelos livros. Eu queria pizza e bombons de licor e me empurravam brócolis pela garganta.



A propósito: A Saraiva e seus L&PM’s pockets estão com uma variedade vexaminosa de livros para vender. Que pena, pois ao lado da banca da L&PM tem uma banca de DVD’s e os moribundos CD’s . Nessa banca têm grandes filmes custando MENOS que os livros da L&PM e a livraria do Globo agora é uma loja de tênis, ou sapataria. Minha prateleira está dando lugar cada vez mais para filmes como O Show de Jimmy, Clube da luta, Box do Rocky Balboa e Antes do amanhecer com minhas novas chuteiras para sintético logo ao lado.

A propósito II: Sabiam que o brócolis mata as bactérias que causam câncer de estômago? Comam brócolis e leiam Machado de Assis. Não que eu faça mas alguém com mais miolos deve fazê-lo.

A propósito III: Nem as bactérias aturam o temível "brócoli".