24 de jul. de 2007

Sobre o temido jantar

...

Sempre depois colocava aquelas meias. Umas meias rosas e velhas. Fazia parte de seu ritual. O meu se consiste em ir no banheiro, mijar, pular na cama e fingir que durmo.

Eu acordo feito um filho-da-puta. Bafo, cabelo ruim e mais desgrenhado que o de costume. Remela. Direto pro maldito banheiro mijar.

Ela acorda. Aqueles olhos azuis brilham, seus cabelos claros e lisos. Tira as meias e depois as roupas. Senta na beira da cama, coloca um chinelo de pano, um calção e uma camiseta velha.

Sempre me sentava na mesa vazia e ela me servia o café. Só tomava o meu suco de caixa. Perguntava se o pai dela tinha saído. Ele sempre, SEMPRE, estava se arrumando para sair.

Eu saio.

Coço o saco até o final da tarde.

Nos encontramos depois do seu trabalho. Eu odiava não ter um emprego para ELA esperar por mim na saída.

Bar..

Ela pergunta quando conhecerá meus pais.

Bebo..

Ela reclama que bebo demais..

Conta.. adeus pouca grana que me resta.

Casa (a dela naturalmente)..

Pergunto se o pai dela chegou do trabalho. Ela diz que sim. MALDITO HORÁRIO PARA SE CHEGAR!

Entro. Um cachorro feio pra cacete pula em mim. Uma daquelas raças de pêlo curto e com cara amassada. Ele tem uma gosma nos cantos da boca. Fede. FEDE!!!

Ela beija o cachorro. Que nojo. Depois disso não achei grande coisa que ela me beijasse.

A mãe dela saí da cozinha. Faz uma cara de feliz aniversário quando me vê entrando pela porta.

Eu sei que ela me odeia.

O pai dela levanta-se de sua cadeira, e me cumprimenta. Eu SEI que ele me ODEIA PROFUNDAMENTE.

Sua irmã deitada no sofá sorri. É uma puta sacana, daria na hora. Se eu fosse um outro com um pouquinho menos de escrúpulos e pudor...

Ela toma um banho.

Não tomarei banho. Tá frio e fiz um monte de nada o dia inteiro.

Janto. Ó céus.. o temido jantar. Como eu odeio esses jantares.

Sobrevivo o jantar.

Vou para o quarto somente quando os pais dela adormecem.

Ela toma outro banho.

Irmã no quarto, sorrindo e mascando um chiclete. Entra no banheiro e diz que vai sair. Pega as chaves do carro. Deita-se na cama e me beija (no rosto, calma). Ela saí.

Entro no banheiro. Minha intenção é tomar um banho. Sempre mudando de idéia.
Endureço. Entro no box, ela prende-se em minhas pernas. Quase escorrego no piso. Ela ri.

Mais ou menos um banho tomado.

Cama..

Outra..

Ela levanta. Nua. Coloca suas meias e um pijama.

Levanto e vou mijar.

Volto..

Ela com seus enormes olhos azuis brilhantes olhando para mim. Eu sorrio. Pulo na cama.

Ela vira-se para um lado e suspira. Eu não me mexo. Estou ocupado demais em fingir estar dormindo.

14 de jul. de 2007

1987

O despertador toca, sua mulher levanta, ele fica lá fingindo que dorme. Afinal, para que acordar? O sol nem deu as caras para comemorar seu quadragésimo aniversário e ele já está prestes a se atrasar para seu trabalho, sim aquele mesmo trabalho, aquele que remonta a sua adolescência. Ele não pensava que seria assim, que acabaria onde começou, que continuaria ganhando um salário de miséria. Pois, lá não existe aumento, sua sorte se é que pode ser assim denominada, são os reajustes do mínimo. Mas não é o trabalho seu único incômodo. Aquela gorda com quem divide as cobertas também é um estorvo. Pensando bem, mesmo que fosse uma deusa televisiva, seria por ele odiada. Sofre! Quem mandou ser covarde? Agora fica aí remoendo seu amor nos pensamentos, se tivesse coragem de ter ido atrás dela não estaria se lamentando neste instante. Como ele está há mais de cinco minutos na cama além do que deveria, a essas alturas, a gorda está com a mesa posta e o piá (com aqule marra característica da puberdade) deve estar comendo, como de costume, igual a um ogro. O guri foi uma felicidade quando nasceu. Mas só quando nasceu! Por que ele não podia ser puto, ser nazista, filiado ao Democratas, sei lá, fã do Galvão Bueno. Porém, o vermezinho, é GREMISTA! Para piorar a situação eles são campeões do Mundo (pela quinta vez! Isso, sem contar a friagem da Toyota), já o Internacional dele se esforça pra ganhar do Zequinha e a sala de troféus não é aberta desde 2007, quando ganharam a Recopa (dia mais feliz da vida dele!).
Depois de vinte minutos o pobre infeliz resolve finalmente se levantar, vai ao banheiro, faz a barba com cuidado, com barbeador manual, sem frescuras, assim como era nos bons tempos da primeira década do século XXI. De banho tomado ele adentra a cozinha, o piá com um enorme sorriso no rosto - e vestindo a camisa do Grêmio - lhe abraça com toda a força, aquele abração de Urso. Diz pro pai que o ama. As lágrimas escorrem na cara do filho da puta emocionado com o rebento. A esposa os abraça também e envolve o marido com uma seqüência cinematográfica de beijos apaixonados. Depois, lhe mostra o café da manhã especialmente feito, com direito a bolo, vela, etc. Todos sentam se servem e choram, o guri e a mulher de alegria, ele por odiar aquilo e por se odiar por não conseguir amá-los.

8 de jul. de 2007

Marcus

É o décimo dia do sétimo mês de dois mil e oito.
Ele acorda, o que não quer dizer que é de manhã. Seu nome é Marcus. Ele tem idade suficiente para estar de saco cheio. Caminha com sua perna lesionada até o banheiro e escova os dentes.


- Eu não sei o que farei.. não dou a mínima pra falar a verdade, cara.

Ele tem esse costume de falar sozinho sobre nenhum assunto. As respostas são dadas em sua mente adoecida.

- Não sei, talvez cinco.


Ele não sabe o que responde, nem sobre o que fala. Não tem nenhuma imaginação especialmente criativa para criar alguma personalidade para conversar com. Apenas fala sozinho e percebe isso. Mas não pára de falar sozinho.

-É assim que as pessoas enlouquecem.


Marcus não penteia o cabelo, mal tem cabelo. Ele saí de casa pensando sobre vidas em outros planetas. Os problemas terrenos não o atingem por simplesmente não o interessar em absoluto. A gasolina pode subir ou baixar, ele não tem um automotor próprio.
Seu maior dom é não ter nenhum dom. Ele tem sua altura listada como a média da população branca. Não é fudido da vida e não é rico também. Sua figura é representada por um homem de cabelos e olhos castanhos, que não canta e nem sabe dançar, não se mantém num emprego, muito novo e em breve será muito velho.
Atravessa a rua no sinal vermelho. Mesmo assim, quase é atropelado. Ele tem uma sensação estranha que a cena se repetiu. Nada demais. Toda a população tem sua parcela de Déjà Vu.
Sua explicação para esse estranho fenômeno, não é físico ou psicológico (biológico ou tanto faz quantas porras lógicas).
Marcus acredita que quando um ser vivo morre, ele volta para sua janela temporal.


Marcus nasce em oitenta e tantos. Vive sua vidinha como um ratinho em laboratório, sendo o cara mais comum que consegue ser. Se não é um ser comum se fode legal. Em mil novecentos e noventa e oito, ele perde seu primeiro amor.
Marcus é atropelado por um Chevrolet azul de placa IBF – 4342, dando uma ré num estacionamento de um mini-mercado no ano de dois mil e dez. Ele nasce em oitenta e tantos.. e tudo de novo.


É assim que explica um Déjà Vu. Tão burro e amnésico que repete sempre as mesmas coisas e vez em quando seu cérebro tem essas descargas elétricas (defeitos). Nunca iremos saber, tão pouco Marcus.


Uma loira de um metro e oitenta passa por Marcus. Ela é a típica gostosa. Um pouco alta para o gosto dele. Como é um ser humano mediano, prefere mulheres menores que a sua estatura. Uma maneira implícita de seu machismo, sua busca eterna de superação. Como todas as loiras gostosas são mascaradas e Marcus é um homem comum, a loira não percebe a existência de Marcus. Como um bêbado que não percebe uma reta, as loiras gostosas (morenas gostosas, mulatas gostosas, negras gostosas, asiáticas gostosas, qualquer tipo de mulher gostosa) não percebem homens como Marcus. Para não dizer que ojerizam.


Marcus segue seu caminho. Como todo o homem comum, está acostumado com a rejeição. Marcus pensa sobre o Universo e se ele realmente é infinito, sobre viagens no tempo, o que as mulheres pensam, alienígenas, Deus e mulheres virgens.


Marcus nunca irá saber a resposta dessas perguntas, nós nunca iremos saber.

7 de jul. de 2007

Mãos (Recuerdos escolares)

Não fosse a demagogia, a incompetência e o fisiologismo de nossos governantes, essas preciosas mãos poderiam tudo, tocariam da mais singela folha caída no outono até a mais bela joiá, abraçariam a pessoa amada sempre, como se fosse a última vez, pois quem já perdeu alguém sabe que a dor é incomensurável.
Talvez, não tivesse uma vida de contos de fada. Mas, pelo menos, teriam a chance de suar e ganhar calos em busca de uma existência digna.
Ah, se tivessem dado chance para essas mãos, se elas tivessem a oportunidade de estudar, de brincar, se cortar e curar, como deveria ser praxe a todo ser humano.
Onde estão nossos representantes, que deveriam proporcionar essa chance a todos que recebem a vida, eles nos enganaram como sempre, com suas vãs promessas e seus prolixos discursos que não dizem nada. Mas essas mãos quando libertadas não vão se calar, lutarão e farão protestos pelas ruas pedindo um Mundo mais justo, com uma justa distribuição de renda.
Eu verei aquelas mãos triunfarem em meu camarote, que fica debaixo da ponte e lá darei um efusivo aperto de mãos para essas guerreiras.

PS: Bons tempos nas aulas de redação do colégio. Eu sempre soube que tinha algo errado. Mas era idealista. Hoje, sou cético....

4 de jul. de 2007

Rotina de Ilusões

Tudo já foi feito, já foi escrito, já foi dito. O que nos resta afinal ? Estou em um momento da vida em que me questiono por tudo, principalmente me persegue a eterna indagação de se vale a pena, ou não, viver desta forma ? Acho que já é mais do que hora para repensar o ritmo impresso por nós mesmos contra nós mesmos.
Talvez seja a hora de retrair, diminuir a tecnologia, rever o conceito de trabalho, acabar com os mitos e com os ídolos. Temos que nos aceitar como seres primordialmente maus, só assim viveremos em paz com nossa própria natureza. Chega desse jogo sujo, desse ódio velado, dessa compaixão falsa. Vamos jogar fora nossas muletas, vamos acabar com a Internet, vamos esquecer da TV a cabo, do Playstation, etc. Por favor acordem ! Desistam de ler esse post quando estiverem na metade, não por terem achado ruim e sim por perceberem que estão morrendo em frente a uma máquina que separa. Uma máquina que te coloca em uma rede que só serve para consolidar e glorificar as ligações fortes. A Internet está aí com um claro objetivo: Acabar com tudo que é epidérmico !
Grande parte do texto não é meu por excelência, é uma confusão de tudo que já foi dito, escrito, contado na mesa de jantar das famílias do século XIX, por aí vai...O que me apavora é que nada aprendemos ou se aprendemos preferimos não aplicar os conceitos percebidos. Acho que é culpa da preguiça, do medo de ser realmente feliz, de se aceitar, se permitir. Como é possível o Anticristo datar de pré-1900 e ainda existirem católicos. Pior, agora temos evangélicos e outras deturpações do já nefasto império religioso romano. Quando diabos as massas vão abrir seus olhos cansados de trabalhar para a invenção de Deus. Se a igreja católica dissese que Deus é uma cadeira de balanço roxa com bolinhas verdes, teriamos uma réplica gigante em algum ponto turístico do Rio de Janeiro ! Deus é a maior enganação criada para controle de massas. Mas não posso culpar quem o criou. Pois, infelizmente, o ser humano é demasido fraco (humano) para se manter vivo por si só. São poucos os que tem capacidade para entrar em tais questionamentos sem ceifar a própria vida. Trata-se de um exercício duríssimo que beira o masoquismo, mas no final liberta. Não liberdade plena (outro mito !), apenas aquele sentimento de: eu sei que isso é impossível e não tenho vergonha do meu egocentrismo.
Pro intuito do blog, talvez este texto esteja longo. Porém, para a discussão que deve ser aberta, isto aqui não passa de um início de prefácio de um livro de lamento, que não necessariamente vai envolver bares, botecos, butequins, etc.

1 de jul. de 2007

It´s Deja Vu All Over Again

Essa frase do impagável Chris Berman demonstra bem toda a genialidade dos estadunidenses. Mas, realmente, tudo é tão repetitivo que uma redundância não faz mal a ninguém. Tipo canja de galinha, manja? O ser humano não se cansa de se decepcionar e de decepcionar aos outros. Estamos fadados a filhadaputice. Hobbes que o diga.
Não tem escapatória, um dia o teu grande amigo vai enfiar uma vara de 35cm no meio do teu cu e não vai se sentir nem um pouco culpado. Tu também já fizestes isso não se faça de hipócrita. Tudo depende da tolerância. Se formos nos guiar pela retidão. Bem, azar, você vai odiar todo mundo. Com isso, nos resta a hipocrisia, o tapinha nas costas, o bruxismo, a bebida, o dinheiro, etc. Na hora do bem bom somos todos felizes para sempre. Na hora ruim nos resta nossa própria mente doentia.
É tão difícil, mas tão difícil, ter de se aturar. Nada mais desafiador do que passar uma tarde de sábado em casa arrumando as tralhas e se embebedando em pensamentos e Patricias. Não, nenhuma Pati ronda meu coração, tô falando da loira uruguaia!!!
Ao final dos tempos nos resta o ódio e o amor para com aqueles que nos foram úteis, úteis no final. Pois, todos os outros eu nem lembro mais. Ah, tem também os malditos parentes, que por mais idiotas que sejam, são impossíveis de ser apagados de nossa memória. Maldita falta de coragem!

Gorilas e médicos

Bato com as costas na merda da parede de tijolos. Dessa vez senti que foi um pouco mais sério que o normal. Sempre bato ali com alguma parte do corpo.. dessa vez ouvi um estalo estranho. Deveria ir ver um médico, mas nunca vejo médicos. Quando eu atropelar algum por aí eu peço para examinar meus pulsos, joelhos e costelas.. mas ainda não é urgente.
Bebi. Bebi pra cacete. Não peguei ninguém.. hoje foi um dia normal. Nenhuma morena gata deu pra mim hoje. Um dia normal.

Bolas inchadas.

Procuro as chaves.. eu não encontro as merdas das chaves!!

Vou para a varanda, a rede imunda ainda está lá. Deito.. minto.. desmaio.

Morena com olhos verdes dança em meu colo. Grandes tetas! Grandes tetas mulher!!! Inexplicavelmente estou com sede. Saio da transação e caminho calmamente para a cozinha. Meu cachorro rosna para mim. Eu jogo água nele. Ele foge.

Maldito.

Vou atrás do cachorro. Ele tem três patas. No restante está O.K. O mando para dentro. Não bebi a água. Volto para a transação. Ou intento voltar. Ninguém lá.
Saio na rua. Com o pau para fora cumprimentando as pessoas. Elas não se importam, não protestam. Compro um jornal (de onde diabos saiu o dinheiro?!). Procuro notícias do Grêmio.

Nada demais.

Entro num colégio. Decido colocar uma calça.

Estou um pouco mais moço sem a barba mal feita.

Ela está lá. Fudidamente linda. Alguém passa com o rádio no volume máximo na rua da frente "You really got me now. You really got me!". Eu a beijo (quase um ataque), ela não reclama. Eu saio, um fodão no meio do colégio, sem camisa, mais moço, acabei de pegar a guria mais cobiçada (por mim).

Avisto outra. Morena, lábios carnudos e rosados.. grávida!!

Eu me escondo no banheiro. Acendo um cigarro. Saio.

Compro uma caixa de fitas cassetes.

Volto para casa. Meu cachorro com suas quatro patas rosna para mim.
Observo o corredor. Escuro. Eu fico paralisado. Não consigo me mexer. Eu tento, não me mexo.
Eu forço, não me mexo.

A escuridão me engole.

Acordo. Ressaca e fungando. Maldito resfriado. Desço da rede. Acho as chaves no bolso do casaco. Entro, deito, tento dormir mas as paredes não ficam paradas.