14 de jan. de 2010

Reza do meio dia

Com toda a força que tinha em minhas pernas, pedalava até a ponta do morro. A estrada era de chão batido, hoje é asfaltada. Deitados nas sombras, alheios a bicicletas, os cachorros preguiçosos e acostumados com a criançada que se encontrava por lá, bocejavam e viraram suas barrigas para cima. Aproveitando os últimos anos de sossego, antes dos traficantes e dos caminhões.
Júlia estava sempre por lá. Praticamente a minha vida toda fui louco por Júlia, creio que ela nunca soube disso. Encontrávamos todos os finais de tarde no fim da estrada, na nossa frente, a cidade. Ficávamos por lá até as 19 horas. Praticamente não fazíamos nada, apenas conversávamos. Na volta ela sentava entre o guidão e meu banco. Dava uma carona para ela até sua casa. Ela tinha cabelos longos, lisos e castanhos. O cheiro dos cabelos dela me lembrava canela. O caminho até a casa era feito em silêncio, mas eu sentia algo especial. Eu me sentia bem, me sentia feliz e completo. Tudo isso antes de qualquer pensamento “depravado” que viria a ter por Júlia mais tarde. O sentimento mais puro e honesto que apenas a idade me permitia ter e que agora me sinto logrado pelos anos que se passaram e minha inocência e sentimentos sinceros perdidos para sempre.
Criança, não cresça tão rápido.

6 de jan. de 2010

Diário de bordo 02/01/10

A causa era desconhecida. Os motivos, obscuros. A pressão nos pneus abaixo de 18. Meus olhos estavam em perfeitas condições, o meu cérebro não. O conflito de realidade, a crueldade das imperfeições e minhas condições críticas intactas.

Percorria a rua deserta e escura, meus faróis estavam apagados. Meu cérebro não entendia a mensagem que meus olhos, aflitos e cansados lhe informava. Uma voz presa dentro de um carro com os vidros fechados, o fedor de cigarro, cerveja e fritura.

Aquela casa, mais uma vez aquela casa. Meu cérebro de instante tornou-se consciente, mas, impotente. Minhas pernas anarquizadas, elas não tinham mais um governo, não obedeceriam mais ordens de superiores.

A escada, a maldita escada, aquela maldita casa. Mais uma vez naquela casa. O calor. O calor do verão de Porto Alegre. A ressaca de fim de ano não curada.

Lá estava ela, nua, de quatro na minha frente. Mais uma vez. Meu cérebro gritou “fuja para as colinas!”, meus olhos não piscavam e minhas pernas oficialmente estavam em greve. O vizinho observava tudo com um binóculo pela porta aberta, o calor e o suor. O vinho, importante e leal vinho, ao lado do colchão. O calor de Porto Alegre, a ressaca mal curada, a ignorância de minhas condições coordenativas, os gemidos de uma mulher, o vizinho provavelmente masturbava-se do outro lado da rua, câimbras, náusea e um carro pegando fogo duas quadras dali. Sorrimos, deitamos, ela dormiu eu queria dormir. . E eu me sentia bem
Quem estava no comando, definitivamente sabia o que estava fazendo.